quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ninguém precisa de amanhãs

Às vezes eu acho que o "preço" da vida é durar tanto.

Tem gente que diz que ela é curta demais... curta demais pra que?

Em pouco mais de duas décadas já tenho tudo que eu podia desejar. Ou melhor, já tive, porque - em apenas duas décadas - essa tal de vida que-deveria-ser-curta já fez questão de me roubar alguns desejos.

Eu fui feliz. Tive amor de mãe, de pai, de avó. Muito amor de avó.

Tive desses amores de início de novela, em que tudo dá errado, e desses de fim, que não tem defeitos. Tudo o que sobra são peças do orgulho - conhecimento e reconhecimento.

E agora me resta esperar que a vida me leve os amores e me compense o orgulho. E eu espero. O que eu não vou, ao final, é suplicar uns minutinhos e lhe dar o gosto de dizer-se breve. Não vou.

Vivo o que viver, o hoje sempre me bastou.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Comum-ismo

Não mais a terra
A produção
Ou o salário

Mas a cultura
Os rostos
E os gostos

À dormente ditadura
Que nos une,
À loucura que em dormência
Se resume:

Um salve ao mais novo comum-ismo.

Que se guardem as velhas utopias: é a igualdade plena que agora se inicia

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ato (sem número) - do peso e da leveza da vida

Clarice encontra-se sentada ao chão com uma almofada sobre o colo, e parece perdida em pensamentos tranqüilos. Carlos anda para lá e para cá inquieto, com feições preocupadas.

C: Estou precisando exorcizar demônios.

cL: Que demônios, Carlos?

C: Os meus.

cL: Difícil.

C: Exorcizá-los?

cL: Pois sim.

C: E porque?

cL: Porque contigo é tudo difícil, Carlos.

cL: Olha, façamos assim. Deita aqui no meu colo, fecha os olhos.

Carlos se deita sobre a almofada no colo de Clarice.

cL: Assim. No que pensas agora?

C: Na sensação boa que sinto enquanto tuas mãos tocam o meu cabelo, o meu rosto, a minha boca...

cL: E os demônios?

C: Que demônios?

cL: Vês?

C: Só a você.

Clarice se ri

cL: A vida não é complicada, Carlos. A vida é como uma carícia, e só é boa quando fechamos os olhos enquanto ela nos eriça os sentidos, um a um. Pensar atrapalha.

C: As tuas mãos então são vida, Clarice, mais que qualquer coisa outra...

- Clarice sorri

cL: Diz-me então Carlos: no que pensas quando eu não estou?

C: No mundo Clarice, e em mim. E no mundo em mim. E na falta que me fazes.

cL: Pois faz da minha mão o teu mundo Carlos. Ela é tão grande quanto ele, vês?

C: Sempre foram maiores que as minhas – e se ri

- Carlos se levanta de um pulo.

C: Clarice, como o fazes?

cL: O que, Carlos? – gentil

C: Como fazes pra estar sempre assim, tão leve? E como em um toque faz-me assim também?

cL: A vida é leve, Carlos. Mas não seja tonto, que te desconcertas. Deita-te aqui de novo.

Carlos se deita, como que cumprindo uma ordem a qual é incapaz de desobedecer.

C: Queria poder não sair daqui nunca mais...

cL: E porque haveria de ir-te?

C: Porque tenho tantas obrigações nessa vida, Clarice... e daqui a pouco uma delas fatalmente me fará deixá-la.

cL: E de que vida falas, Carlos? Há mariposas que vivem somente alguns minutos, e essa vida as basta. Não, fiquemos aqui pra sempre.

C: Tuas mãos são tão macias, Clarice.

cL: Faz silêncio, Carlos. Olha pra mim. Diz-me a primeira coisa que venha a tua mente.
C: Eu te amo, Clarice.

cL: E porque dizes isso?

C: Não faço a menor idéia.

cL: E é por isso que é verdade. Eu também o amo Carlos, e não sei porque. Nada que faz sentido nessa vida merece ser dito.

Carlos adormece. Clarice deixa Carlos dormindo na almofada, as luzes que antes estavam em Carlos e Clarice se apagam. 

sábado, 20 de agosto de 2011

Só as baratas vivem pra sempre (ainda bem)


Eu queria mosquear-me
Andar torto pelas ruas e praças
Ter num jornal minha maior ameaça
(e nisso nem seria tão diferente assim)

...
Fazer festa na bosta.


Ou então podia ser um mosquito
E viver de beijar pernas e pés
Sem ter de casar-me com nenhuma

...
Regozijar-me com chulés.


E ao invés disso, deus me fez grande
Grande, falante e pensante
Que é pra só beijar pernas com banho
E ir no banheiro sozinho, com acanho
E atingir-lhes no jornal com palavras
Ao invés de atirá-los na cara...

Ai, deus injusto, que não me fez traça!

domingo, 14 de agosto de 2011

Vou me livrar de você (ou "a rede social")

Eu não quero saber por onde você anda. Não quero e não preciso.

Eu não quero saber dos seus afazeres domésticos diários nem da regularidade do funcionamento do seu intestino. E não, eu não vou tentar solucionar pseudoindiretas ou absorver filosofias de até 140 caracteres cada.

Se a vida é breve e leve, pra que viver tudo duas vezes? É a vida real que se tornou insuficiente?

Seria falta de amor? Mas pra receber amor bastar doar: o amor multiplica.

Atenção?


...


“E a pergunta mais difícil de todas? E esse texto, pra que então?”

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Acaso

O mistério fala como ninguém

De que adianta ser claro quando ninguém pode ouvir? Ou tentar explicar-se pra quem não pode entender?
Deixa no ar, deixa pairar... deixa fluir, deixa crescer.

As explicações passam... os mistérios não tem tempo. E é na mudança que mora a única e grande verdade do mundo, a inconstância.

Por isso que dou o conselho: não meça a palavra usada, nem se culpe na frase errada. Joga as letras ao vento.
Um dia, eu sei, há de chegar o momento.

...

Aquele em que alguém, sem pressa, vai olhar praquele mar de letras ao chão e ler você. Vai arrumá-las, uma a uma, com a paciência e a perfeição de um parnasiano, e te mostrar a mensagem que você nem precisou organizar:
“E que outras letras havia aqui, que não essas?”
E é então que você passa a se sentir acolhedoramente idiota, e o seu indecifrável passa a fazer sentido pra alguém, sem qualquer explicação.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Manifesto – a favor da espontaneidade


American Idol. X-Factor. America’s got talent. Glee.

O vencedor? Aquele que apresentar melhor técnica vocal, de acordo com padrões mais ou menos pré definidos: de preferência que consiga sustentar uma nota por quase um minuto, sem respirar, o que sempre arranca aplausos da platéia.

E que músicas devem cantar para vencer? As que permitam a melhor exploração da técnica, ou as que melhor se encaixem em um estilo pré definido (se a pessoa só se vestir como “rockeira”, por exemplo, deve escolher esse tipo de música para manter a sua imagem pré-fabricada).

Coreografias também funcionam. Nesse campo, quanto mais provocativa e apelativa, normalmente, melhor.


Sinto falta das pessoas que cantam com o coração ao invés de com a garganta. De pessoas que só usam o corpo como forma de expressão da música, ao invés daquelas que só usam músicas que as permitam explorar o corpo. De artistas que clamam por expressão ao invés de aceitação.

Cazuza. Beatles. Se nunca foram grandes cantores, muito menos grandes dançarinos, tinham de maior o coração. Cantavam o amor, com amor. Com simplicidade. Não precisavam de fantasias de carnaval (ou halloween) pra aparecerem mais. A música falava por si mesmo. Não precisavam de coreografias “sensuais”. O amor verdadeiro fala por si só.

Celebridades meteóricas. Músicas com prazo de validade. Coreografias padronizadas. Repetição. Substituição. Marketing.

Temas decepcionantes. A vida não é complicada. Não é feita de grandes decepções, nem deveria ser voltada ao sucesso ou dinheiro. Amor não é posse. Amor não se grita de cima dos telhados.  Amor se fala baixinho, devagarinho, que a vida e o amor são breves...

 Love is all you need, pro dia nascer feliz.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dos clichês

Aprendi  que o capitalismo é um sistema predatório por necessidade. Subsiste enquanto ainda existem “terras” (ou mais corretamente na atualidade, setores) virgens a serem exploradas, sobre as quais incha como bolhas em sua exploração desenfrada até que elas estouram, causando mini ou megacrises, dependendo do tamanho da área antes virgem (e agora deserta) afetada.

Aprendi que nem sempre o ciúme é feio, mas que os Trichuris trichiura sempre são.

Aprendi que um texto multidisciplinar é sempre mais interessante, mesmo quando no fundo o objetivo seja falar sobre uma matéria só.

Aprendi que existem pessoas falando em “crise do contrato”, enquanto muitas outras ainda acreditam que os acordos de vontade continuam a ser predominância absoluta na nossa vida civil.

Isso tudo (?) em apenas um dia.

Eu poderia dizer que cada dia de vida é uma grande descoberta, e ser clichê.

Talvez eu não estivesse mentindo, mas tenho certa aversão por clichês. Aversão, aliás, totalmente injustificada. Um clichê bem usado pode ser muito mais prazeroso de ouvir que qualquer declaração inovadora. Que nos diga os “eu te amo” ao pé do ouvido, da boca, de joelhos...




Talvez, no futuro, eu esqueça dos Trichuris trichiura. De vez em quando a vida já nos surpreende com algumas feiúras próprias. É bom não trazer nenhuma já dentro de nós.

Talvez eu esqueça também da crise do contrato. Afinal, toda tecnicidade deveria ter utilidade limitada. É bom lembrar apenas que um dia enxergaram que, quando a vontade é livre, o mais forte domina o fraco. E desde que decidiu-se proteger mais os fracos, as pessoas são menos tristes e mais iguais.

E talvez eu até lembre que o capitalismo é predatório, mas lembre também que aprendi mais da sua natureza feia nas estantes dos Best sellers. Lembrar mesmo? Da felicidade de saber que estou longe de ser o único a desejar um sistema que faça a todos mais felizes.

E no fim?

No fim eu vou lembrar mesmo é das juras de amor. Dos clichês reconfortantes. Das mentiras inocentes e das verdades tímidas, das declarações. Daquele entardecer manhoso. De você naquela varanda, com o mar ao fundo. No fim, eu deixo as informações nos livros.

Eu guardo o amor...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Capitu

Quando chega a madrugada 
ela me chama
se pinta
dança


As cortinas se abrem
Minha boca se abre
Ela engana


E no girar do seu corpo
o mundo gira
e some o chão


vem, não avisa
vai, sem despedida
Qual furacão


é quando só
de alma e corpo
que ela domina
a imaginação.

sábado, 7 de maio de 2011

Despalavra (ou vida)

Quando eu falo, acredito.
Quando calo, não consinto.

Do que é seu e meu, eu falo.
Acredito em nós.
Mas no que é seu, só seu
Não tenho voz.

Foi a vida que me ensinou, meu amigo
No que é teu ela quem diz
O que a garganta cansada já quis

Não é que eu não me importe
Nem tampouco que eu aprove
É você que não pode ouvir
(Ninguém pode)

No que é teu, meu amigo
Sai e vê
Eu não posso mudar por você.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Epifania (de liberdades)

O minuto de magia que desacredita
Deslimita
Liberta parecendo aprisionar

Todo mundo sabe que o homem (sozinho)
não pode voar

Um minuto que me fez duvidar

O céu amarelo que se abria diante de mim
A manhã azul

...
Eu havia encontrado minha liberdade, enfim.

terça-feira, 19 de abril de 2011

(________)


Desapontar-se é morrer um pouco em alguém. Mas se é a morte transformação – o famoso princípio de Lavoisier em ação – já nem sei se seria morte também.

Desapontar-se é silêncio. É emudecer em si sons fáceis – que acalmavam a alma – para acalmar o corpo. O corpo ensurdece primeiro, concreto que é. A alma sucumbe.

É a razão que domina o sonho e acorda. É mais ainda: é aquela odiada voz que sussurra “é um sonho” e encerra a magia, acordando ou não.

É o nada, mas não é estático. É um nada que se expande, de fora pra dentro. Passa pelos sentidos e devora o corpo, pra depois se alimentar da alma.

Deixar de apontar.  É o fim de um movimento da alma de projetar-se para fora do corpo, relembrada de sua prisão.

O desapontamento passa as pessoas.

Ele permanece.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Todos os sentidos (são você)

Sentia o cheiro amarelo dos teus cabelos com a minha boca.

O tão conhecido gosto do teu perfume
me embriagava os olhos
fazia minha pele chorar

Você
 [e a chuva daquela noite
me faziam feliz

quinta-feira, 3 de março de 2011

O vôo das borboletas

Eu poderia usar mil versos
Ou algumas centenas de poemas
Talvez usar recursos controversos
Inovar na linguagem e nos temas

Mas a verdade é tão simples...

A verdade é que te quero pra sempre,
Por enquanto.
E que importa até quando?

O pra sempre das borboletas dura um dia
...
E eu te amo.


(Agradecimento especial ao amigo e poeta Augusto pela ideia do título)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Inutilidades

O poema surge do nada
Ele é muito pouco.

É algo pra se ocupar
Uma necessidade
Passatempo
Azar.

Da sorte surgem poucos poemas...

A escrita é tédio, não vê?
É a sublime arte dos vagabundos
Dos moribundos, e não tem um por quê.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Outros outonos


Outro retrato em branco e preto
Em bege e bege
são folhas que caem...

Outro café, outro livreto
um latte bege, um sebo bege
são folhas que caem...

E as folhas que caíam por onde você passou
Ainda caem agora
Você se foi... mas nada mudou.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

(o amor não é) Brincadeira

Eu estava brincando de ser criança com você?
O teu sorriso era tão largo
Tão puro
Que às vezes acho que era o meu também

Os teus olhos brilhavam tanto
Tão quentes
Inocentes
Que cheguei a pensar serem os meus também

Mas eu não sou criança, menina
Sou pedra, sou chama
Desespero e frieza

E sinto mesmo é falta de ser criança outra vez.

Como foi que me perdeste, menina?
Estávamos só brincando.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dois globos, Um mundo

Hoje o chão nasceu dourado
Devagar
Com preguiça de acordar

Meus pés mudavam de cor como um camaleão
Acordavam
Acompanhavam o chão

Os raios de grama verde tingiam de terra o céu da manhã
Beijavam-se longe, onde não se via
Longe, e o horizonte sorria

“E ainda há quem diga que prefere olhar pro céu”, você disse.

E quando num reflexo involuntário toda a cena se desfez, eu entendi.
A manhã, quando não nasce nos seus olhos
É só mais uma manhã.