segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ato (sem número) - do peso e da leveza da vida

Clarice encontra-se sentada ao chão com uma almofada sobre o colo, e parece perdida em pensamentos tranqüilos. Carlos anda para lá e para cá inquieto, com feições preocupadas.

C: Estou precisando exorcizar demônios.

cL: Que demônios, Carlos?

C: Os meus.

cL: Difícil.

C: Exorcizá-los?

cL: Pois sim.

C: E porque?

cL: Porque contigo é tudo difícil, Carlos.

cL: Olha, façamos assim. Deita aqui no meu colo, fecha os olhos.

Carlos se deita sobre a almofada no colo de Clarice.

cL: Assim. No que pensas agora?

C: Na sensação boa que sinto enquanto tuas mãos tocam o meu cabelo, o meu rosto, a minha boca...

cL: E os demônios?

C: Que demônios?

cL: Vês?

C: Só a você.

Clarice se ri

cL: A vida não é complicada, Carlos. A vida é como uma carícia, e só é boa quando fechamos os olhos enquanto ela nos eriça os sentidos, um a um. Pensar atrapalha.

C: As tuas mãos então são vida, Clarice, mais que qualquer coisa outra...

- Clarice sorri

cL: Diz-me então Carlos: no que pensas quando eu não estou?

C: No mundo Clarice, e em mim. E no mundo em mim. E na falta que me fazes.

cL: Pois faz da minha mão o teu mundo Carlos. Ela é tão grande quanto ele, vês?

C: Sempre foram maiores que as minhas – e se ri

- Carlos se levanta de um pulo.

C: Clarice, como o fazes?

cL: O que, Carlos? – gentil

C: Como fazes pra estar sempre assim, tão leve? E como em um toque faz-me assim também?

cL: A vida é leve, Carlos. Mas não seja tonto, que te desconcertas. Deita-te aqui de novo.

Carlos se deita, como que cumprindo uma ordem a qual é incapaz de desobedecer.

C: Queria poder não sair daqui nunca mais...

cL: E porque haveria de ir-te?

C: Porque tenho tantas obrigações nessa vida, Clarice... e daqui a pouco uma delas fatalmente me fará deixá-la.

cL: E de que vida falas, Carlos? Há mariposas que vivem somente alguns minutos, e essa vida as basta. Não, fiquemos aqui pra sempre.

C: Tuas mãos são tão macias, Clarice.

cL: Faz silêncio, Carlos. Olha pra mim. Diz-me a primeira coisa que venha a tua mente.
C: Eu te amo, Clarice.

cL: E porque dizes isso?

C: Não faço a menor idéia.

cL: E é por isso que é verdade. Eu também o amo Carlos, e não sei porque. Nada que faz sentido nessa vida merece ser dito.

Carlos adormece. Clarice deixa Carlos dormindo na almofada, as luzes que antes estavam em Carlos e Clarice se apagam. 

sábado, 20 de agosto de 2011

Só as baratas vivem pra sempre (ainda bem)


Eu queria mosquear-me
Andar torto pelas ruas e praças
Ter num jornal minha maior ameaça
(e nisso nem seria tão diferente assim)

...
Fazer festa na bosta.


Ou então podia ser um mosquito
E viver de beijar pernas e pés
Sem ter de casar-me com nenhuma

...
Regozijar-me com chulés.


E ao invés disso, deus me fez grande
Grande, falante e pensante
Que é pra só beijar pernas com banho
E ir no banheiro sozinho, com acanho
E atingir-lhes no jornal com palavras
Ao invés de atirá-los na cara...

Ai, deus injusto, que não me fez traça!

domingo, 14 de agosto de 2011

Vou me livrar de você (ou "a rede social")

Eu não quero saber por onde você anda. Não quero e não preciso.

Eu não quero saber dos seus afazeres domésticos diários nem da regularidade do funcionamento do seu intestino. E não, eu não vou tentar solucionar pseudoindiretas ou absorver filosofias de até 140 caracteres cada.

Se a vida é breve e leve, pra que viver tudo duas vezes? É a vida real que se tornou insuficiente?

Seria falta de amor? Mas pra receber amor bastar doar: o amor multiplica.

Atenção?


...


“E a pergunta mais difícil de todas? E esse texto, pra que então?”